quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

O Dia das Trevas


Lembro que vivíamos numa casa velha e, embora fosse o mundo para mim, era reconhecidamente humilde e pequena até para os padrões já baixos do bairro pobre em que morávamos. Alheio a tudo, eu não via que minha mãe, com a garganta presa pelo nó do silêncio, sofria um sentimento mudo de solidão. Seu sorriso era raro e só se abria quando raios do sol entravam em prisma pela janela e caíam coloridos sobre mim, contrastando com a pele negra, que reluzia seu brilho fascinante e esquecido. Enternecida pela sua solitária condição não apenas de mãe, mas de mulher, ela me abraçava; eu, sem entender, apenas me sentia mais protegido. Somente outra coisa a fazia sorrir: a chegada daquele homem. Era um homem branco e alto, com cheiro forte de riqueza. Entrava em casa com estirpe de dono, passava diretamente pela sala e conduzia minha mãe para o quarto. Ignorado e ignorando, eu brincava com meus caubóis de plástico no velho oeste daquele chão poeirento e na savana do carpete sujo. Com o cair da tarde, o abandono do sol e o desinteresse das brincadeiras, pesava sobre mim um sentimento estranho, uma miséria que brotava das minhas roupas desbotadas e entrava pelos poros, virando outra miséria, mais profunda. Era como uma febre que anunciava sua chegada, uma moleza de espírito, um arrependimento de algo que não fiz. Por isso, eu temia aquele homem: era o dia em que as luzes tardavam em se acender. Toda semana, era o Dia das Trevas. Na penumbra, eu divisava vultos ameaçadores — alguns eram ratos; outros, tenho certeza, demônios. O desespero endurecia minhas pernas. Nada podia fazer. Sem ter ao que me agarrar, deixava correrem as silenciosas lágrimas do medo, salgadas de abandono. Quando já tinha passado o limite do insuportável, entre a vida e o pesadelo, as luzes se acendiam e o homem ia embora. Minha mãe vinha até mim, coberta num véu de culpa, e tentava me consolar com biscoitos amanteigados. Enquanto eu mordiscava, ela novamente dava à luz aquelas palavras bastardas: “Papai não pode ficar. Ele tem outra família, meu filho”. Palavras refletidas num espelho distorcido, mais para si própria do que para mim. Só anos depois, compreendi o que significavam quase todos aqueles vocábulos que não eram filhos da boca com o coração. Exceto aquele que sempre me foi estranho: papai.