domingo, 18 de abril de 2010

O Menino que Conheceu o Céu

“Pai, como faço pra chegar no céu?”, perguntava. “Você não vai querer ir pra lá agora, meu filho”, brincava o pai. Cansado de lógica em vez de respostas de um mundo possível, Miro dependurava as pernas na janela, como num balanço, e deixava o vento empurrá-lo. Certa noite, na hora de dormir, ficou de pé no batente e brincou de abraçar as brisas que dançavam e nisso deu um falso passo. A queda foi brusca, mas qual não foi sua surpresa ao ver que logo parou — muito acima do chão! Aí sentiu-se subir, montado num vento maroto, em direção às nuvens. Percebeu que estava indo para o céu. “Como vou saber quando chegar lá?”, pensou alto. “Quando sentir um cheiro doce. São suspiros de nuvens!”, falou meio sem pensar uma gaivota que observava curiosa aquele estranho pássaro de penugem morena, cabelos enrolados e nariz redondinho. “São sempre três camadas de nuvens: as açucaradas vêm embaixo, são suspiros; depois, as felpudas, com que fazem edredons; lá em cima, os algodões molhados, que espremem chuva”, comentou a gaivota displicentemente. Realmente, foi fácil. E passou rápido! Quando olhou para baixo, as primeiras nuvens já boiavam no mar azul, marshmellows numa sopa de anil, espelhando o céu vaidoso. Cansado de andar, o Sol pulava pra trás das montanhas; e o Horizonte, despedindo-se do amigo de brincadeiras luminosas, chorava (como toda tardinha) um rio que descia pela face da terra, na expectativa de dias melhores no verão. O último raio deu adeus, apagando a luz e fechando a porta celeste. Só aí Miro viu que as estrelas já forravam de sonhos a cama da noite que chegava. Estava intrigado por uma estrela cadente quando ouviu uma voz fanhosa: “Se a noite dorme sem sua coberta de nuvens, uma estrela cai na cama de cada menininho e ele sonha que é astronauta e jogador de futebol num campinho da Lua”, explicou uma velha e sábia cegonha. “Antes que você pergunte, eu não entrego bebezinhos”, disse. “Eu sei que não!”, indignou-se Miro. “Não sou criança! Sei muito bem que os bebês nascem de uma sementinha!”. A cegonha apenas sorriu, dizendo: “Não acha que já passeou muito?”. Puxando Miro pelo braço, levou-o até umas cúmulos-nimbos que choramingavam chuvosas pelos cantos do céu: “Deite aí e cuidado pra não molhar a cama!”. Como todo menino, Miro resistiu por cerca de dois minutos e depois adormeceu profundamente. A cegonha pediu então a uns morcegos-taxistas (que têm ótimo senso de direção) que rebocassem a nuvem-cama de volta até sua janela, e ele sonhando luzinhas pelo caminho. Pela manhã, Miro acordou lembrando a noite estrelada que passou: “Como seria bom ter ido ao céu!”. Mas sua mãe, ocupada na eterna tarefa maternal de fazer as coisas que não terminam, entrou no quarto com uma vassoura, varrendo e reclamando alto: “Menino, se você espalhar algodão pelo quarto de novo, apanha, ouviu!?”. Miro apenas sorriu.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Da Morte

A morte é um tópico sinistro e impopular, e talvez por isso mesmo algumas pessoas venham a dizer que ela me cai bem enquanto tema. Embora esteja presente desde o início da vida neste planeta, a morte é considerada como algo mórbido, não natural e, por incrível que pareça, até inesperado. Pode ser mais um daqueles casos de coisas que são temidas porque não são entendidas. Bom, obviamente não sou eu quem vai esclarecê-la, até porque ela em si não contém mistérios: eles querem saber o que vem depois. Ocorre que o ser humano é notoriamente relutante em conceber sua finitude concreta e ambicioso nas suas pretensões abstratas. Mesmo aos mais entusiastas da vida, eu diria que a morte, para usar uma expressão tomada de empréstimo, é um grande momento, faz parte de cada vida. Parece um paradoxo, mas não é. Não se pode negar que o fenômeno da morte só é equiparado em magnitude e essência pelo nascimento. Sem a morte como fim, a própria filosofia do carpe diem não faria sentido. Se a vida não tivesse fim, a forma como vivemos não teria a menor importância. A morte é o motor para que façamos as coisas no tempo que não temos, e não no tempo apropriado. Por causa dela é que vivemos enquanto, em vez de quando. Na filosofia de vida moderna, no entanto, é como se a morte não tivesse lugar na vida — embora o tenha de fato e de direito, pois toda história de vida inclui uma história de morte: trágica, reconfortante, inexplicável, melancólica, dolorosa, pacífica ou violenta. Tudo isso, sim. Mas… inesperada? Como se falar da morte como algo inesperado em se tratando de um ser vivo? Somente estando sob a áurea de uma filosofia que ignora a morte na maior parte do tempo. Fechamos nossos olhos para a quantidade de seres que morrem para que possamos viver — não somente animais, mas microorganismos, plantas e pessoas. Pessoas que morrem lentamente numa mina de carvão, num escritório ou numa cozinha. Todos morremos lentamente no trabalho, na criação dos filhos, no esforço da convivência, no que, curiosamente, chamamos de viver. É apenas uma forma de ver as coisas, mas é essa visão que se tem olhando a vida de trás para frente. Por que olhar assim? Desse ponto de vista, coisas que pareciam importantes não fazem sentido, e outras ganham significação muito maior. Por outro lado, talvez ignorar a morte seja justamente o que possibilita a “vida produtiva” como é entendida hoje. Vale refletir. Enfim, compactuando das dicotomias e oposições tão caras à compreensão humana do mundo, façamos jus: é pela morte que definimos a vida, e vice-versa. Se não soubéssemos o que é morrer, talvez jamais soubéssemos o que é viver.