domingo, 15 de agosto de 2010

Um Assalto

E pensar que o dia tinha começado sem sobressaltos, com as tarefas do dia cavalgando minhas preocupações. Padaria, sapateiro, banco. Agora eu estava ali, com uma arma na cabeça e sob a mira de dezenas outras. Era a única barreira entre um assaltante desesperado e policiais estressados. O assalto começara como de costume. Onze da manhã. Banco lotado. Um velhinho começou a discutir com o segurança por conta do seu guarda-chuva (claro!), que tinha ficado preso na gaveta da porta-giratória. Foi a deixa. Em questão de segundos, se aproveitando da distração gerada, o gatuno rendeu o segurança e mandou todo mundo se abaixar. Não houve confusão nem gritaria. Encheu as sacolas de salários e ia partir quando, por um desses acasos inacreditáveis, apareceu um carro da polícia. Aí o larápio puxou o primeiro idiota que estava do lado: eu. Antes só mais uma vítima, agora eu tinha sido promovido a refém. Perpetuando o clichê, a polícia mandou sair com mão pra cima. O assaltante gritou que ficaria ali o ano inteiro se preciso. Era um impasse. Houve queixumes e murmúrios de insatisfação. O motoboy protestou, dizendo que ganhava por corrida. A dona de casa, profunda conhecedora das prioridades na vida, disse que ainda tinha almoço por fazer e roupa pra lavar. O advogado já procurava seu cartão de visitas, e o taxista que o esperava lá fora tinha um sorriso discreto. O ladrão tratou de acalmar os presentes, prometendo que faria o possível para que tudo fosse rápido. Como todo bom político, sabia que não podia desagradar seu eleitorado. Em instantes, já havia mais câmeras apontadas do que armas — captando fatos, e transmitindo notícias. Chamaram familiares do bandoleiro e montaram uma matéria, uma espécie de notícia aumentada, um ponto a mais no conto. Ele mandou ligarem a TV da parede. Alguns xingamentos foram sussurrados quando o aparelho acendeu — num acesso de preguiça, o responsável por ligá-la para o público teria dito que estava quebrada. No plantão ao vivo, aparecia a mãe do rapaz trabalhador que apontava um revólver enferrujado pra minha cabeça. Eu me perguntava se, sobrevivendo à bala, seria capaz de escapar ao tétano. Se aproximava do meio-dia, e os estômagos ameaçavam se amotinar. Atento, o estudante dedicado que havia me feito de refém pediu que trouxessem comida, mas desistiu quando um policial lhe informou que seria feita uma licitação. Ordenou, então, que trouxessem sua mãe. Meia hora depois, chegou uma senhora com olhos pesados de vergonha. Deixaram que entrasse no banco, o filho atencioso que andou com más companhias explicou o mal-entendido à mãe. Entregou-lhe a arma e estava prestes a se render quando houve um tiro. Calma, o jovem carente estava intacto. Seria encaminhado a uma unidade de correção juvenil. Eu havia sido atingido na perna, mas me senti melhor porque, segundo o noticiário, eu fui medicado e passava bem. Apesar de toda essa história, o que mais me impressionou foi a manchete da primeira capa: Participante do BBB está grávida!