quinta-feira, 16 de setembro de 2010

O Passado

Poucas pessoas sabem, mas, quando olhamos para o céu, tudo que vemos é passado. Uma história escrita em luminares que estiveram a uma distância de milhares de anos. E pior: elas não sabem que somos, nós mesmos, passado. Para nós, as estrelas sempre estiveram lá. Para as estrelas, toda a humanidade luziu por um bilionésimo de segundo a um canto do céu e já sumiu, como uma tocha ramalhada antes do mergulho. No universo, não existe tempo e espaço, mas espaço-tempo. Passou-se um segundo e, parados, já estamos num ponto do universo que fica a dezesseis quilômetros de onde estávamos. Essa trajetória em direção ao nosso destino (um Hércules que desenhamos no céu e que não estará mais lá quando chegarmos) é estática para o nosso milésimo de vida. Alguns, perdidos em tal falta de referência, ignoram; outros, indiferentes, são bactérias viajando numa bola de golfe: sem saber que vão, mas indo. Nesse ritmo, percorremos, todo ano, quase mil anos-luz. Há também muitos não entendem que um ano-luz é uma distância, não um tempo. É uma distância tão grande que, quando essa luz que partiu há tempo chega até nós, já se esqueceu e virou sombra. E nós também partimos — sombras que a luz esqueceu — e viramos tempo. Mesmo assim, queremos obcecadamente deixar para trás o passado e viver o presente. O que é, afinal, o presente? Aqui e agora? Aqui, já não estamos mais; e agora já passou. Tudo ocorre para nós tão instantaneamente que esquecemos que o presente é nunca; nunca chega a ser este instante, porque este instante acabou. No fim, o futuro é uma promessa que inventamos a cada presente; e o presente, uma parte tão infinitesimal do agora, que acaba se revelando uma sucessão de passados. Por isso, quando olhamos para o céu, tudo que temos é passado. Um grande e longo passado que vivemos agora, neste instante.