sábado, 4 de junho de 2011

Jonas e o Menino

Jonas sentia um cansaço. Cansaço de acordar do descanso pra viver outro dia de novo. As coisas não iam bem. Cada esperança de melhorar morria de parto quando vinha à luz mais um sofrido não, rebento do nunca. A mulher morrera sem aviso nem motivo, condenada pela injustiça ao cruzar caminho com uma bala leviana de uma briga de trânsito. Deixou-lhe o menino, aquele franzino que pesava mais que uma vida. Desde então, Jonas sacrificava o que nunca chegou a ter para prover do bom e do menos pior ao filho. O caminho era duro, mas pra ele a vida não tinha atalho: faltava-lhe malícia e talento pra malandragem. Não que lhe faltasse vontade. Na hora de enrolar, engasgava-se com as mentiras, que lhe saíam sempre cuspidas e maculadas de sinceridade. Não levava jeito pra jeitinho, não sabia ser sabido. Jonas era honesto por falta de opção. Mas esse atributo raro e inato não pagava as contas. O menino queria, o menino pedia, desprovido da capacidade de prever futuros negros. Alimentado de meio copo de leite tipo C e uma porção bem servida de televisão, o menino abstraía-se enquanto ele trabalhava. Na falta de alguém de confiança, deixava-o trancado com o vira-lata, brincando com torrões da areia e tijolos velhos — restos inaproveitáveis de uma reforma um dia sonhada. Chegava perto das seis, esperando encontrar vida na casa. Achava o menino cheirando a cachorro e com cara de sessão da tarde. Nada que sabão amarelo não resolvesse. Jonas lavava bem sua cabeça, e a culpa descia quase toda pelo ralo. Um dia, uma vizinha rica fez uma denúncia contra aquele absurdo e funcionou: finalmente recolheram o cãozinho ao canil, estupefatos com a violação aos direitos dos animais. Enquanto isso, menino se afeiçoava à solidão, ao silêncio e à penumbra. Andava com desenvoltura sob a venda das sombras, mas se assustava quando a luz acendia. Jonas chegava intruso nesse cenário, constrangido pelos ouvidos das paredes não conseguir dedicar suas já parcas palavras ao menino. Nessa noite, nada tinha mesmo de bom a dizer. Não tinha mais emprego, não mais-valia. No dia seguinte, saiu a ermo com o menino pela mão. Parou numa banca, comprou um badulaque pro menino e pediu ao jornaleiro que o olhasse enquanto ia ao açougue do lado. Nunca mais voltou. No fundo dos olhos, não se via surpresa ou confusão: o menino já sabia. Não havia estranheza no abandono.