domingo, 27 de março de 2011

In Memoriam

Alfred, Lord Tennyson (1809-1892) (Tradução de Heber Costa)

Seção V

Por vezes julgo coisa meio impura
Expor em palavras o meu pesar:
Pois pr’a alma abrir ou ocultar
É falha a palavra como a natura.

Para mente e coração aflitos porém,
Há serventia na linguagem comedida;
Este exercício de mecânica sofrida,
Como torpe narcótico, a dor sustém.

Em palavras me enrolo, como panos de luto,
Como em rudes roupas contra friagem;
Mas de minha imensa dor elas perfazem
Não mais que um contorno diminuto.


Section V

I sometimes hold it half a sin
To put in words the grief I feel:
For words, like Nature, half reveal
And half conceal the Soul within.

But, for the unquiet heart and brain,
A use in measured language lies;
The sad mechanic exercise,
Like dull narcotics, numbing pain.

In words, like weeds, I'll wrap me o'er,
Like coarsest clothes against the cold;
But that large grief which these enfold
Is given outline and no more.

domingo, 20 de março de 2011

Eterno Fim

No jantar, ela serviu mais uma vez silêncio e novela das sete. Havia algo estranho no seu rosto, algo de gélido nas meias-mentiras daquele prato sem gosto. Ele sabia que o fim aguardava do lado de fora da porta, mas não como havia chegado até ali. Foi assim, de uma hora pra outra, que percebeu: suas surpreendentes rosas deram lugar a samambaias dependuradas na rotina do terraço. Aquele ex-amor se agarrava na autoafirmação da estabilidade para justificar seu fim — a relação estável sempre se pretende uma forma leviana de eterno e esbarra aqui e ali na covardia. Pensando nisso, entrou no quarto. O fingimento dormia ainda acordada do lado esquerdo. De propósito, sentou-se pesadamente na cama e remexeu badulaques barulhentos no criado-mudo. Nenhuma resposta. Murmurou o nome dela num tom que hesitava entre a pergunta retórica e a súplica. Falou como quem repete uma palavra que subitamente lhe parece estranha, tentando reconhecê-la. Aquele nome não passava de letras, anagrama sem nexo do que antes fora a senha sagrada para imolar seu coração. Deitou-se olhando para um nada cheio pensamentos. Não eram as dúvidas que o incomodavam, era aquela certeza obtusa de que nada mais havia. Sua ilusão desfolhava, outonando-se aos poucos. Cada vez mais se entrevia o firme tronco seco de uma cumplicidade que morrera, mas por algum motivo insistia em restar de pé. Ela não era mais tudo que precisava, não queria lhe dar a lua nem qualquer outro pedregulho — era alguém. Subitamente, ele se via coadjuvante num final secreto que as comédias românticas nunca mostram. Deitou-se virado para as costas dela, sem coragem de tocá-la, como se aquele corpo fosse feito de cinzas. Então, aos poucos, enquanto adormecia, a imagem dela lentamente ia se dissolvendo mais uma vez... como estranhamente acontecia todas as noites desde que ela havia ido embora.

sábado, 12 de março de 2011

Leito de Morte

Thomas Hood (1798-1845) [Tradução de Heber Costa]

Vigilamos seu fôlego noite adentro:
Um fôlego débil e meigo
Como a maré da vida num perene
Fluxo-influxo em seu peito.

Nosso falar parecia silêncio
E os gestos, sob forte brida
Por devotarmos quase toda força
A um prolongar de sua vida.

Da própria esperança brotava o medo,
E do medo a esperança ressurgia —
Quando a víamos morrer, dormira;
Quando pensamos dormir, morria.

Chega a opaca e sombria aurora
Com uma frieza matinal que arrepia,
É a hora que suas pálpebras se calam
numa aurora que não essa do nosso dia.


The Death-bed

We watch'd her breathing thro' the night,
Her breathing soft and low,
As in her breast the wave of life
Kept heaving to and fro!

So silently we seemed to speak —
So slowly moved about!
As we had lent her half our powers
To eke her living out!

Our very hopes belied our fears
Our fears our hopes belied —
We thought her dying while she slept,
And sleeping when she died.

For when the morn came dim and sad —
and chill with early showers,
Her quiet eyelids closed — she had
Another dawn than ours!