terça-feira, 29 de novembro de 2011

Eu, Menino


Quando eu, menino, via o mundo lusco-fusco num branco extremo, acreditava no bem, no ser inerentemente bondoso que a sociedade corrompia, nunca alienado do benefício da dúvida. Quando menino, o terror do eu-erro acometia silencioso meu sono, um medo divino do lado lascivo das ideias, os dogmas devorando as estranhas entranhadas nas convicções. Quando eu rebrilhava os olhos no verde-fascínio de um besouro morto, pernas espinhosas fustigando a curiosidade de um menino com enigmas, crescia onírico e aventureiro. Quando o menino se chocava contra a sólida rudeza dos gestos infames, eu mortificado culpava a casca frágil da minha ingenuidade e despertava o germe inerte da intolerância transvestida de sobrevivência. Quando viu na grandeza de Júpiter sua pequenez agigantar-se, o menino-eu imaginou-se domando todas as questões bravias do universo se lhe dessem um só desejo. Quando o menino triturado pela puberdade rejuntou seus átomos no eu, foi infiltrado pela crônica ausência de lógica e agora a vida separava seus prótons de seus elétrons com vazio da certeza do caos. Quando eu, vestido capa-espada, ofereci o cavalo branco da abnegação, vi o menino destronado pelo escárnio ingrato do desprezo. Quando a névoa da guerra diária gradualmente dissipou-se na tempestade dos tempos, vi em assepsia medonha meu corpo despido e lavado do eu, menino.