domingo, 22 de janeiro de 2012

Arborescer

Deitado na cama, vi meu olhar descobrir lentamente minha mulher, que contemplava, com o ceticismo da experiência, a volúpia monótona da rua abaixo. As últimas luzes do dia a envolviam, desenhando em alto contraste sua imagem recostada na janela. A pele marcada e foliculosa mapeava cada passo dos meus olhos. Embora magro, o corpo claramente havia sopesado a rígida arrogância da carne na flacidez do tempo, arvorando-se de um aspecto lânguido, porém resoluto. As pernas fibrosas já não vertiam a seiva enérgica da juventude, mas se plantavam firmes no solo rachado de seus pés. Do tronco, seus seios pendiam maduros sobre o braço esquerdo e falavam da serenidade dos anos na silenciosa linguagem do corpo. O cotovelo direito apoiado em ângulo reto emoldurava seu torso, retratando as sardas de sua mais tenra maturidade. Tinha o cabelo preso, em cachos suspensos sobre o calor que ramificava de sua nuca molhada. Da boca fecunda, florescia um meio-riso viçoso — não sei se irônico ou já nostálgico — das frutíferas alegrias que parecia poder profetizar simplesmente observando as unhas esmaltadas. No rosto, podiam-se ver algumas rugas marcando as raízes de suas preocupações. Pensamentos sulcados germinavam no canto dos olhos. Eram olhos de âmbar cristalino, e sua luz perene alimentava meu sol, numa fotossíntese às avessas. Num gesto fértil, quase corriqueiro, ela virou-se para mim, desfolhada de acessórios, com a graciosidade dos ramos ao vento. E ali se deteve enquanto eu, simbionte, absorvia em catarse a beleza cotidiana que brotava daquela mulher.