quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Nascimento de uma Palavra

No início, era um não-verbo alojado no córtex frontal. Saiu ensanguentado, cirurgicamente removido a machadadas de neurônios, ainda coberto sílabas amnióticas e liquefeitas. Mal se desgarrara, sentiu de súbito um impulso quase elétrico, mas mal articulado, de dizer. Saiu neurotóxico, inebriando o sistema, e passou intempestivo pelo lobo temporal, como um rastro de memória. Desceu não se sabe como para a laringe e tangeu com angústia as cordas vocais de tons vermelhos e graves. E de tanto badalar nas amídalas terminou por roçar na língua. Pelo contato promíscuo das papilas, contaminou-se de ideias agridoces e acabou pegando gosto por sentido. Na mucosa, aftou-se em discursos inflamados. Labial e articulada, sangrou as gengivas, aturou os dentes, mordeu a língua. A boca então, fustigada como nunca, por fim cedeu à sua vontade: abriu — e fez-se a palavra.