quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Aritmética do Desapego

“Esses silêncios brutos”, ela dizia, “não agüento mais”. “Quantas vezes meu amor vai tentar beber desses olhos vazios e dessa boca seca antes que desista de deitar no travesseiro solitário que faz companhia ao teu corpo de mármore? Anos… desde que minha juventude abandonou minha beleza para minguar exposta ao medo da solidão. Ainda hoje tu olhas meu corpo com a ternura dos indiferentes.” Eu agitava um cigarro, tentando não começar de soprar de novo aquelas pequenas palavras que sempre davam início ao vendaval. “Diga.” Enquanto fingia pensar formas de dizer uma não-resposta convincente, olhando seu rosto constatei seu cansaço. A infelicidade fatiga. As rugas que jogavam para baixo os cantos de seus lábios eram o resultado incontornável da soma de todas as horas de decepção com os anos de conformismo. Essa é a equação da infelicidade. “Não há nada como o desapego”, soltei absorto. O desapego é a antimatéria da esperança. O que destrói uma vida não é a falta de amor, mas o tempo que se passa acreditando na possibilidade de ele brotar por persistência. A brasa chegava ao fim do cigarro, era hora de ir. Nossas discussões sempre duravam o tempo de um cigarro exposto a uma janela aberta. Dei uma tragada final e deixei cair as últimas cinzas da nossa história. “Já vou.” As cinzas voavam descontroladas, marcando nos lençóis os pontos negros do mapa incompreensível de um casamento naufragado. Quando lhe virei as costas, seus olhos guardavam o abismo das coisas que deram errado e não têm mais volta. Na rua, os gatos viviam, indiferentes, a vida que prosseguia debaixo de um céu de lágrimas.

5 comentários:

Malthus de Queiroz disse...

Carajo, muito massa esse texto.

Unknown disse...

Umas das coisas mais tristes que você já escreveu. Muito digno!

Unknown disse...

Meu orgulho!

Anônimo disse...

Belo texto, prof. Heber!
Paulo Gustavo

Tempo Temporã disse...

Eu adorei! Acho seus textos muito coerentes.