Quando era pequeno, fiz uma viagem pra casa do Sol. Pra mim, era uma estrada de sonhos flutuando em dentes-de-leão que se desprendiam de suas hastes banguelas, felinos, soprando suavemente pelo mundo. Estrada longa, longa, longa demais, que até perguntação de menino cansa. Viagem de girassóis e gerânios(!) e gerúndios de um sol se pondo num prá-sempre laranja. Estrada de flores de mandacaru indo ao largo do desconhecido, moldurando uma imaginação criança que cheirava o vidro do carro achando bom aquela flor-branca-sem-nome. Era cidade e asfalto e cidade e asfalto. Tantos sãos e santos haviam no nome daquelas vilas com carteirinha de cidade. Cumprimentei todos eles com meninice de calças curtas (querendo só parar para um picolé, na verdade). Quando cheguei, conheci a casa do Sol: era Piauí, era Maranhão. Nem precisava de água pra ser bonita. Seca, bela... é só questão de molhar as consoantes. É uma terra que vive só de sol... sozinha. Era casa de meus tios, todos meu pai. Meu pai que ficou na roça, meu pai que criava bois. Homens lavrados pela vida. Tinha jumento, que ia e vinha carregado de arroz, daqueles que conversam com o vaqueiro por ia! e eia!, arfando com as narinas crescidas feito os tremas sua eloqüência eqüina. Mas tristonhos. Burrinho desinteressado de vida, sem orelha
quarta-feira, 23 de abril de 2008
Na Casa do Sol
sábado, 12 de abril de 2008
Dor-de-cotovelo
Ela estava linda. Olhei-a pela última vez, fingindo certo desprendimento, e me subiu pela garganta, com uma certeza absoluta, um “a gente se vê” pouquíssimo convincente. Quando engoli seco, desceu foi um vazio com gosto de água barrenta. Deu um abraço e, como de costume, foi-se e não virou as costas. Quando a gente se despede e não vira as costas, só pode significar duas coisas: ou se tem uma certeza implícita de que se verá a pessoa amanhã (a despeito das estatísticas da violência) ou isso simplesmente não faz diferença. E, como se sabe, quando a gente ama, esperar até o dia seguinte é muito tempo. Um aperto acerta o peito à medida que o olho perde de vista aquele “tu” dos poemas de amor que nunca escreveremos — ou que, escritos, serão só palavras que nunca virarão amor materializado, pois papel não agüenta amor de verdade: o poema é o amor maquiado e posto na vitrine. Agora, porém, tudo o que eu sentia era uma melancolia suave e irritante, incapaz até de me impulsionar a uma noite de bebedeira regada a lágrimas de fim de noite. Enquanto a observava descer a rua, pensava como é ingrato já ser passado. Seus olhos já não me viam: estavam brilhantemente vidrados no futuro, à frente. É uma sensação de ter ficado, de ter passado, de parado. Mas, convenhamos, conformismo é preciso. Então, vamos aos clichés: o amor é assim mesmo. Quando passa, é vazio, tristonho e elegante como um solo de trompete num jazz de Madeleine Peyroux. Quando está, é cheio, esfuziante e despojado como a sanfona de Dominguinhos. Secretamente, desejei-lhe o melhor e, mesmo sem vontade, fiquei com o pior para mim. Esse meu amor, no entanto, já não dói: alugou um quartinho no meu Bairro dos Amores e estará lá, quieto, para sempre. Só então senti uma dorzinha chata entre o pulso e o ombro. Era a tendinite.
Imagem: Zhong Biao
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