sábado, 29 de março de 2008
Crônica de uma Quinta-feira em Casa Amarela
sexta-feira, 21 de março de 2008
Desarmado (ou Bobagens de Quando a Gente Gosta)
A construção de um adulto é uma mutilação. Ganha-se muitas obrigações, perde-se vários direitos. Perde-se o direito de ter dúvidas, de ser bobo, de falar sacanagem, de ficar bêbado, de pegar um ônibus desconhecido, de estar nu em casa, de andar sem destino, de estar desarmado. Mas quando se gosta de alguém, recupera-se o direito (e permissão) de novamente não ser crescido. Por isso, estar apaixonado é algo infantil (no melhor sentido). Anda-se a esmo por causa de qualquer jasmim mais cheiroso. Qualquer riso amarelo é de uma ternura radiante. Fica-se completamente desnudo de certezas (ou vestido nalguns trapos de seriedade mal tecida) e completamente bobo quando de um olhar encontrado com a pessoa gostada. A bobagem vira tratado filosófico; a sacanagem, singeleza. Conversa-se água, chovendo palavras no molhado, mas de boca seca de tanto estar de coração na boca. Na verdade, palavras secas de si, só para manter o fluxo do único fluido agora indispensável: mais um pouquinho do outro. Nada como a espera desesperada de cada palavrinha vazia de razão e cheia de doçura. Quando a gente gosta, fica desalmado. Isso mesmo: sem alma. Só uma carne-viva esperando um movimento elétrico do outro, que machuca e extasia num só tempo. Quando a gente gosta, fica descarado. Faz uma cara fechada de tempo nublado que um sorriso abre sem chave nem chuva. Quando a gente gosta, fica desarmado.
... bom demais gostar, ruim é ficar desamado.
domingo, 9 de março de 2008
Domingo (Parte II)
Domingo é um dia sem poesia. Passa-se o domingo a toque de controle remoto. Esse dia de descanso é o mais cansativo. Cansado, sozinho. O olhar encurralado nos cantos da sala procurando displicentemente uma saída. Mas, do domingo, não há saída. A única porta que existe se abre de meia-noite, mas ela dá direto na segunda-feira. Coloco um CD e ouço os rangidos do chão de taco enquanto ele toca e eu rodo pela sala. Jantar (sorvete) sozinho. TV. TV. TV. Não tem poesia. Uma pia de cozinha no domingo à noite definitivamente não é poesia. É raro um dia autenticamente feliz. Um domingo, então, nem se fala. Um dia feliz é como um poema no meio de uma página de jornal. Bastavam dois versos de Pessoa entre a (milésima) notinha sobre a violência no Recife e a resenha de Ypiranga um, Sport, zero. É bom assim: uma felicidade numa forma que a gente nunca espera. Não sei o que fazer da vida. Pai acha uma coisa; e mamãe — que Deus a tenha — achava nada. E ela estava certa: no fim das contas, é melhor não fazer nada até a hora chegar. É como conversar, como dançar. Um instante que é simplesmente melhor que o outro, e ninguém se sabe por quê. O problema é que a espera é cansativa demais. Essa vida é de espera. Essa vida com programas de índios xingu e calouros-mirins. Essa vida de domingo, de dormindo. Domingo é assim: no fim do dia, tudo que resta é uma sensação de que ele se foi levando alguma coisa muito preciosa e deixando um vazio que ocupa, na exata medida, o peito. Tô pensando demais. Melhor mudar pro Faustão.
domingo, 2 de março de 2008
Domingo (Parte I)
Já se disse que a gente morre um pouquinho a cada minuto. Pois bem, podem contabilizar que no domingo se morre dois pouquinhos (seja lá quanto isso for) a cada minuto. É triste. “A vida é assim. Mas há que se trabalhar pra viver.” Na verdade, não existe muita opção na vida. Aliás, só há uma: viver. A diferença é quanto tempo se demora pra descobrir isso e “escolher” essa “opção”. Há que se viver. Tem de se viver. Afinal, quanta desgraça é necessária pra que alguém consiga permissão pra ficar triste num canto por um tempinho sem ter que ir lavar os pratos? Pra que deixem descansar da vida por segundos (vale lembrar que dias são apenas uma multidão de segundos...). É uma inundação de tanta coisa da vida. Por isso, existem(?) os suicidas. Suicida é uma pessoa que morreu asfixiada de tanta vida. Não conseguiu tomar um fôlego. A vida, como as outras substâncias aquosas e mutáveis, afoga as pessoas quando engolfa. É quase uma morte acidental.