sábado, 12 de abril de 2008

Dor-de-cotovelo

Ela estava linda. Olhei-a pela última vez, fingindo certo desprendimento, e me subiu pela garganta, com uma certeza absoluta, um “a gente se vê” pouquíssimo convincente. Quando engoli seco, desceu foi um vazio com gosto de água barrenta. Deu um abraço e, como de costume, foi-se e não virou as costas. Quando a gente se despede e não vira as costas, só pode significar duas coisas: ou se tem uma certeza implícita de que se verá a pessoa amanhã (a despeito das estatísticas da violência) ou isso simplesmente não faz diferença. E, como se sabe, quando a gente ama, esperar até o dia seguinte é muito tempo. Um aperto acerta o peito à medida que o olho perde de vista aquele “tu” dos poemas de amor que nunca escreveremos — ou que, escritos, serão só palavras que nunca virarão amor materializado, pois papel não agüenta amor de verdade: o poema é o amor maquiado e posto na vitrine. Agora, porém, tudo o que eu sentia era uma melancolia suave e irritante, incapaz até de me impulsionar a uma noite de bebedeira regada a lágrimas de fim de noite. Enquanto a observava descer a rua, pensava como é ingrato já ser passado. Seus olhos já não me viam: estavam brilhantemente vidrados no futuro, à frente. É uma sensação de ter ficado, de ter passado, de parado. Mas, convenhamos, conformismo é preciso. Então, vamos aos clichés: o amor é assim mesmo. Quando passa, é vazio, tristonho e elegante como um solo de trompete num jazz de Madeleine Peyroux. Quando está, é cheio, esfuziante e despojado como a sanfona de Dominguinhos. Secretamente, desejei-lhe o melhor e, mesmo sem vontade, fiquei com o pior para mim. Esse meu amor, no entanto, já não dói: alugou um quartinho no meu Bairro dos Amores e estará lá, quieto, para sempre. Só então senti uma dorzinha chata entre o pulso e o ombro. Era a tendinite.

Imagem: Zhong Biao

7 comentários:

Unknown disse...

passei pra ver "o espelho" que vc sugeriu como sendo o que vc mais gosta, nossa é lindo heber! e desse dor-de-cotovelo vou "roubar" dois trechinhos dele se vc permitir, mas tb se não permitir já é tarde..rsrsrs:"o poema é o amor maquiado e posto na vitrine"(...)"esse meu amor, no entanto, já não dói: alugou um quartinho no meu bairro dos amores e estará lá, quieto, para sempre."

bjus da ladrona de versos!
veruska

Malthus de Queiroz disse...

Pô, velho, muito massa esse texto. Conheço bem essa dorzinha chata: às vezes, ela sai pra beber comigo, e o que é mais incômodo: fica do meu lado, sem dizer nada, só pulsando. Muito bem mesmo, cara. uhuuuuuuu

Anônimo disse...

lê o texto de calligaris que mandei pra lista. :*

B. disse...

O problema de tudo é justamente este: desejamos tanto o "melhor" pra aquela que já não se encontra mais ao lado que não sobra nada a não ser o "pior" como companhia nossa.

Bonito texto o teu também, Heber. A leitura foi tão boa que a proximidade com o ponto final (o derradeiro) me irritava a cada palavra lida.

Vou passar a frequentar isso aqui. Já inclusive te adicionei aos favoritos.
=P

Abraço grande.

Antonio Aureliano disse...

Isso sempre acontece comigo na Quarta Feira de cinzas

Luiziana disse...

O dia em que o amor sentiu inveja do poema...

Luiziana disse...

Quando se vai embora sem olhar para trás, na maioria das vezes é pra ocultar uma ou outra lágrima mais mal comportada.