domingo, 7 de setembro de 2008

Realismo Humano

Às vezes, sinto uma ternura tão grande pelo ser humano que meu peito estremece. Mesmo feio, despido de sua dignidade, ainda inspira uma força tão grande ou uma fraqueza tão profunda que olhar nos seus olhos é como mergulhar pelas janelas adentro na alma de um deus. Em outros momentos, no todo-dia, sinto um desprezo pela sua pequenez megalomaníaca, agindo-se como estrela de seu único céu. Sem dúvida, a maior conquista do homem é conseguir variar entre a extrema mesquinhez e a mais insuspeita nobreza. O que me incomoda, por outro lado, é que não me permitam ter essa opinião dúbia como a própria natureza humana. É estranho como a idéia de amadurecimento esteja associada a um enrijecimento das opiniões, uma cristalização das idéias que tenciona exilar a tensão da dúvida nos tempos de uma adolescência titubeante. A humanidade tem essa mania estranha de ir na contramão das coisas. Afinal, com as frutas, o amadurecimento é diferente: primeiro, enquanto estão crescendo, elas são duras e intragáveis; depois, tornam-se macias e palatáveis. Nos adultos, ser flexível é sinal de falta de firmeza de caráter e, por conseguinte, das decisões. É mesmo muito contraditório: embora seja inegavelmente instável, o ser humano sempre se espelha na certeza das verdades únicas. Curiosamente, não são poucos os que se apregoam “realistas”. Mas o que é ser realista senão afirmar que se acredita que tudo é conforme sua própria realidade individual? Que, verdadeiramente, sabe o homem de outras realidades senão aquilo supõe, induz ou deduz? Diante disso, a recorrente frase “Eu sei”, oferecida como consolo aos que sofrem, resulta nada mais do que um conjunto vazio — uma farsa bem-intencionada que acaba sendo descoberta em flagrante na resposta do olhar de outrem que pergunta: “O que você sabe?”. Sei que nada sei. Isso, sim, eu sei.

Escrito ao som de Je Pense à Toi, de Amadou & Mariam.

4 comentários:

Catarina de Queiroz disse...

Sempre me pergunto esse tipo de coisa. Acho que essa rigidez nas idéias é na verdade uma camuflagem para não mostrar a instabilidade do pensamento. Aqueles que não são capazes de mudar durante a vida adulta são pequenos, têm mente estreita e cérebros condicionados. São como a mídia os faz.

Malthus de Queiroz disse...

Monstro, muito me tocou esse texto (mai flowba!), principalmente porque às vezes me acho um cara muito paradoxal. Acho que a verdadeira força está na flexibilidade, não na rigidez. Um organismo adaptável tem mais chances de sobreviver do que um rígido. Mas é bem mais provável que eu esteja viajando. Abraço, véi

Anônimo disse...

Excelentes reflexões, com um quê de proustianas e muito de sua sensibilidade a cada dia mais apurada.

Liliane disse...

É tipicamente aquilo: o ser humano é, em uma palavra, inacabado; em duas, eterno processo. Gostei da comparação às avessas com as frutas. O caminho do meio é sempre o melhor, justamente por ser o mais oscilante. Beijos.