quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Natal do Urbanismo Bucólico

Parece uma bobagem, alguém já pensou realmente que sacrifício é necessário para coadjuvar num cenário que lhe é completamente estranho? Veja-se, por exemplo, um urbano como eu caindo destoante numa paisagem bucólica. Primeiro, há uma familiar sensação de estranheza. É a mesma que sentimos com conhecidos que nos encontram nos bares e sentam à nossa mesa para uma conversa sem sentido nem razão de eternos minutos. Assim, fiquei recluso algumas horas, lendo, com pensamentos democráticos sobre inúmeras atividades pelas quais poderia optar no mundo tecnológico do DVD e do computador. Antes que percebesse, porém, meu autogoverno sofreu um golpe de estado de um sono tirânico trazido por uma brisa que insistia em invadir as janelas. Acordei-me atordoado com a penumbra do fim de tarde (madrugada?) e decidi enfrentar aquele hostil ambiente natural. “Estive aqui há muito tempo.” Dei uns passados incertos arrodeando da casa tentando acompanhar o arredio pôr-do-sol que já fugia. Galinhas incautas se alimentavam vorazmente na incessante corrida para ver quem chega primeiro à panela. Percebendo a minha inadequação, proativas formigas me enxotaram a ferroadas bruscas nos pés como quem extirpa uma nota dissonante de uma sinfonia. Corri para a varanda e me sentei com um livro — objeto cuja importância as muriçocas parecem desconhecer completamente, já que não tinham interesse em abandonar sequer um saboroso poro da minha pele nem para perscrutar o que diziam as primeiras linhas. Vencido, enclausurei-me novamente. À noite, dei nova chance ao mundo exterior. Sorrisos e palavras leves, embora carregados de sotaques, flutuavam pelo alpendre às vezes atingindo em cheio meu ouvido vago. Eram conversas agradáveis sobre bois e plantas e terras e vaquejadas em relação às quais eu fingia um conhecimento empírico laçando um ou outro termo-chave que galopava pela mesa (por duas ou mais vezes, não sem algum constrangimento, vi escaparem da minha boca um “paluza” seguido de perto por um “alazão”). Consegui simular um interesse sincero em músicas de “Vito & Léo” que me são totalmente desconhecidas e até fiz comentários efusivos sobre sua desenvoltura ao violão e sobre como eles eram menos sertanejos que os tradicionais. Sei que isso tudo é reprovável, mas o que mais pode fazer um sujeito mediocremente urbano se não um complexo jogo para se encaixar na vida simples do campo? Pois é. Na vida, há que se fingir, mas sem perder a postura jamais.


Se você também não sabe o que é “paluza”, clique aqui.

4 comentários:

Anônimo disse...

Queria ver só a tua cara comentando sobre "vito e léo"...srsrsrsrrs. Nada como uma mudança de ares para provocar um excelente e agradável texto de natal.

Catarina de Queiroz disse...

Rapaz, eu tava lendo o texto e li "paluza". Na hora pensei: "Não seria Appaloosa?". Mas continuei lendo mesmo assim. Acho que eu sabia porque sempre gostei de cavalos. Uma vez fui a uma fazenda em Pombos. Menino, de noite fomos abrir a porta da casa pra ficarmos no terraço. Tava um peso danado. Parecia que tinha uma pessoa segurando a porta do outro lado. Quando conseguimos abrir vimos que eram dois sapos enormes e muito gordos deitados do lado de fora. Só no interior mesmo pra ver isso. bjs

Anônimo disse...

Isso foi em Pombos né?! Engraçado como a gente conhece o povo desde que nasceu, mesmo assim ainda parece um ambiente estranho. Ri com esse texto...

Liliane Cintra disse...

Vitor e Leo foi cruel...kkkkkkk Mas vou lembrar de aplicar a última frase, pelo menos vou tentar...rsrsrs.
Bjo.