quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Átomo


Às vezes, quando deito à noite, recebo uma visita furtiva. É uma solidão errante que passava na minha porta e decidiu entrar. Uma urticária que uiva muda, moendo amiúde minha vontade de ser. Em noites como esta, com pesadelos de solidão acordada, acabo sempre vomitando preto num papel — não por vaidade, mas por uma agonia de dormir. Descobrir que se está, na verdade, sozinho é como estar exilado de todos, expatriado dos seus, como morar longe de si. No diametralmente oposto ao divino, estou eu — última instância do mundo. O quarto é só a cela oca, prisão e celeiro de pensamentos que turbilham afogadiços, em ondas acéfalas de consciência. Suas águas turbas se curvam sobre mim, e as engulo num soluço seco: é a revelação última de que, para além das moléculas de pessoas, há apenas eu, átomo.

3 comentários:

Cristovam disse...

Gostei muito da predominância poética da linguagem, da reflexão sobre a solidão e outras relações e comparações de muito sentido, numa linha estética admirável...De repente me imaginei só, e lhe tomando as palavras, sentindo-me na mais abandonada das circunstância do mundo...Parabéns e muitas bênçãos pra você

Liliane disse...

Me lembrei de um comentário que meu professor de biofísica, filósofo por vocação, fez numa aula (naquela vida passada em que eu quase virei farmacêutica): como a posição dos elétrons nunca pode ser encontrada com certeza, o átomo é uma porção de espaços vazios, preenchida invisivelmente com o cerne da matéria, sem que a gente descubra aonde isso pode nos levar... E foi tudo o que me ficou de 3h de aula... Gostei muito do texto. Beijo.

Anônimo disse...

Massa, velho. No fim de tudo, o "eu" é sempre o que resta. abraço, monstro