quinta-feira, 8 de abril de 2010

Da Morte

A morte é um tópico sinistro e impopular, e talvez por isso mesmo algumas pessoas venham a dizer que ela me cai bem enquanto tema. Embora esteja presente desde o início da vida neste planeta, a morte é considerada como algo mórbido, não natural e, por incrível que pareça, até inesperado. Pode ser mais um daqueles casos de coisas que são temidas porque não são entendidas. Bom, obviamente não sou eu quem vai esclarecê-la, até porque ela em si não contém mistérios: eles querem saber o que vem depois. Ocorre que o ser humano é notoriamente relutante em conceber sua finitude concreta e ambicioso nas suas pretensões abstratas. Mesmo aos mais entusiastas da vida, eu diria que a morte, para usar uma expressão tomada de empréstimo, é um grande momento, faz parte de cada vida. Parece um paradoxo, mas não é. Não se pode negar que o fenômeno da morte só é equiparado em magnitude e essência pelo nascimento. Sem a morte como fim, a própria filosofia do carpe diem não faria sentido. Se a vida não tivesse fim, a forma como vivemos não teria a menor importância. A morte é o motor para que façamos as coisas no tempo que não temos, e não no tempo apropriado. Por causa dela é que vivemos enquanto, em vez de quando. Na filosofia de vida moderna, no entanto, é como se a morte não tivesse lugar na vida — embora o tenha de fato e de direito, pois toda história de vida inclui uma história de morte: trágica, reconfortante, inexplicável, melancólica, dolorosa, pacífica ou violenta. Tudo isso, sim. Mas… inesperada? Como se falar da morte como algo inesperado em se tratando de um ser vivo? Somente estando sob a áurea de uma filosofia que ignora a morte na maior parte do tempo. Fechamos nossos olhos para a quantidade de seres que morrem para que possamos viver — não somente animais, mas microorganismos, plantas e pessoas. Pessoas que morrem lentamente numa mina de carvão, num escritório ou numa cozinha. Todos morremos lentamente no trabalho, na criação dos filhos, no esforço da convivência, no que, curiosamente, chamamos de viver. É apenas uma forma de ver as coisas, mas é essa visão que se tem olhando a vida de trás para frente. Por que olhar assim? Desse ponto de vista, coisas que pareciam importantes não fazem sentido, e outras ganham significação muito maior. Por outro lado, talvez ignorar a morte seja justamente o que possibilita a “vida produtiva” como é entendida hoje. Vale refletir. Enfim, compactuando das dicotomias e oposições tão caras à compreensão humana do mundo, façamos jus: é pela morte que definimos a vida, e vice-versa. Se não soubéssemos o que é morrer, talvez jamais soubéssemos o que é viver.

6 comentários:

Malthus disse...

É isso aí, monstro. Como disse o Cramolhão, num filme de terror desses aí qualquer: "A morte é uma porta, e o tempo, uma janela. Eu voltarei. Ruaruaruá." Essa frase emblemática do sete-peles reflete talvez o verdadeiro mistério: a morte em si não é nada; o fim da vida - e das coisas - é que angustia. Daí, talvez - digo "talvez" por não conhecer ou mesmo não me lembrar do outro lado - o desejo da continuidade. abraço

Liliane disse...

Já lesse Intermitências da Morte, de Saramago? Vale a pena e tem muito a ver com teu texto. Sem contar que é Saramago, nada paga essa ironia e humor... Beijos.

Rite disse...

Já li, em algum autor latino de quem não me lembro o nome agora, que a vida é um aprender a morrer.
Hilda Hilst diz que a vida é uma aventura obscena de tão lúcida.
Vida, lucidez, morte... saber o que é isso não é fácil. É toda uma rede de implicações e de conexões entre temas e a gente fica tecendo, tecendo e não acaba, não há respostas. Mas a graça toda da coisa é tecer mesmo.

Aprender a morrer não é o grande problema para mim. O meu é aprender a viver depois da morte de alguns. Como todo bom e velho ser humano egoísta, sou apenas mais um.

(Excelente post!)

Tempo Temporã disse...

O que seria a vida??

Unknown disse...

Adorei essa tua reflexão. Na verdade, o mistério que envolve a morte passou a ser mais compreensível, interessante e até divertido pra mim depois que comecei a assistir "a sete palmos". Eles desmistificam muitos aspectos desse assunto.
Muito bom!

Cristovam disse...

Olá, meu caro, tenha as minhas bênçãos...Quem sabe o segredo de viver bem e ser feliz não seja desejar a morte, reconhecer nossa finitude ou nossa nadidade em face de tantos mistérios?...Nunca acreditei no que virá depois...O que virá depois não passa de um profundo desejo...Ir além é como desejar voltar ao ponto de onde nunca partiu...Você nos provoca a refletir...Meus parabéns.