domingo, 20 de março de 2011

Eterno Fim

No jantar, ela serviu mais uma vez silêncio e novela das sete. Havia algo estranho no seu rosto, algo de gélido nas meias-mentiras daquele prato sem gosto. Ele sabia que o fim aguardava do lado de fora da porta, mas não como havia chegado até ali. Foi assim, de uma hora pra outra, que percebeu: suas surpreendentes rosas deram lugar a samambaias dependuradas na rotina do terraço. Aquele ex-amor se agarrava na autoafirmação da estabilidade para justificar seu fim — a relação estável sempre se pretende uma forma leviana de eterno e esbarra aqui e ali na covardia. Pensando nisso, entrou no quarto. O fingimento dormia ainda acordada do lado esquerdo. De propósito, sentou-se pesadamente na cama e remexeu badulaques barulhentos no criado-mudo. Nenhuma resposta. Murmurou o nome dela num tom que hesitava entre a pergunta retórica e a súplica. Falou como quem repete uma palavra que subitamente lhe parece estranha, tentando reconhecê-la. Aquele nome não passava de letras, anagrama sem nexo do que antes fora a senha sagrada para imolar seu coração. Deitou-se olhando para um nada cheio pensamentos. Não eram as dúvidas que o incomodavam, era aquela certeza obtusa de que nada mais havia. Sua ilusão desfolhava, outonando-se aos poucos. Cada vez mais se entrevia o firme tronco seco de uma cumplicidade que morrera, mas por algum motivo insistia em restar de pé. Ela não era mais tudo que precisava, não queria lhe dar a lua nem qualquer outro pedregulho — era alguém. Subitamente, ele se via coadjuvante num final secreto que as comédias românticas nunca mostram. Deitou-se virado para as costas dela, sem coragem de tocá-la, como se aquele corpo fosse feito de cinzas. Então, aos poucos, enquanto adormecia, a imagem dela lentamente ia se dissolvendo mais uma vez... como estranhamente acontecia todas as noites desde que ela havia ido embora.

3 comentários:

Andrea disse...

Amo tu! Deixe de ser lindo, vá!

Tempo Temporã disse...

Achei fantástico, caro escritor.
O desfecho então nem se fala.
Inspirado, hein!

Liliane Cintra disse...

Muito bom teu texto, Heber! (desculpa aí a redundância, afinal, "muito bom" e "texto de Heber" são ideias muito pleonásticas, a gramática até proíbe... mas o q eu posso fazer, se tu continua escrevendo desse jeito?! A gramática q se exploda! rsrs)