quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Suspiros e outros mistérios que a gente respira

Os ditados são, em geral, uma maneira particularmente repetitiva de explicitar o que o óbvio e o bom senso já dizem com a eloqüência de um tapa na cara. Mas, como de tudo se aproveita e estamos em tempos de reciclagem, é possível achar uma coisa ou outra na “sabedoria popular” que cabe nos ouvidos e com a justeza de uma nova idéia. Tomemos um dito como, por exemplo, “A quem ama o feio, bonito lhe parece” (há versões diferentes, mas a idéia é basicamente essa). É algo de uma verdade cruel. E pior: a recíproca também é verdadeira. Quando se deixa de gostar de alguém, o rosto é o primeiro a sofrer uma mutação concreta. O nariz arrebitado, em vez de elegante, acaba metido e mal-desenhado. A boca carnuda são só lábios grosseiros. Os cabelos desenvoltos são um ninho de cobras acordando com fome. A pele envelhece, surgem marcas e cicatrizes intrusas, que nunca tinham estado lá. O fervor da paixão fenece no tom opaco e inexpressivo dos olhos. Os movimentos coreografados do corpo tornam-se o desinteressante balé da rotina. A beleza afinal, se põe por detrás dos montes do marasmo, levando consigo os últimos raios de uma perfeição exagerada. Até a mais bela das criaturas agoniza em descaso e se esvai na viscosidade do cotidiano. É isto: quando se deixa de gostar, a boniteza empresta a casa à feiúra. Pois é. Ao que parece, quanto mais verdadeiro o amor menos transforma. A pessoa amada de nada disso precisa: ainda que permaneça a mesma, é bela além de suas feições; é solidamente construída de sensações, gestos e palavras. Tudo isso, quando aquecido na memória, torna-se num vapor etéreo que a gente respira fundo a cada instante. É disso, minha gente, que são feitos os suspiros de amor.

5 comentários:

Malthus de Queiroz disse...

Concordo contigo, cara. E ainda citaria aquele não menos sábio dito popular "A quem bebeu demasiadamente, o feio bonito lhe parece". Ou algo parecido. Muito bom esse texto, meu velho. uhuuuu

Anônimo disse...

é disso. essencialmente.

Anônimo disse...

foi a descrição mais bonita de um suspiro que já li :) :*

Ju Machado disse...

A maravilha disso tudo é que, entre idas e vindas, temos uma necessidade vital de suspirarmos que excede qualquer razão e entendimento.

Catarina de Queiroz disse...

É por essas e outras que eu continuo lendo. Bj