sexta-feira, 15 de maio de 2009

Botânica da Civilização

Ouvi falar de um homem em quem descobriram uma árvore brotando no pulmão. Lembrei da história de Francisco. Era-lhe um mundo estranho esse da cidade. Um estranho que entranhava nele um desgosto diário. Para Francisco, o asfalto era sempre mais árido que a caatinga. E era uma aridez diferente: tinha uma fertilidade para plantas de silêncio. Todo dia brotava um ramo de uma planta sem nome que por dentro o sufocava, secando suas palavras. Em trinta anos, os ramos cresceram demais. Tentou adubar seus verbos fazendo cursos de alfabetização, pra ver que fruto davam. Mas sua fala mirrou. Deixou morrerem de sede as interjeições de seus protestos lacônicos. Francisco, então, deu um passo seguro no caminho de volta à sua terra. Lá, sim, é um lugar onde quase sempre falar pouco é significar muito. A cidade, não. Nela, todos falam demais e ninguém se entende. Ela se engasga com seus excessos: enxurradas de palavras, de gestos, de cores, de luzes vomitando aborrecimento para todos os lados. Foi por essas e outras que Francisco pegou a estrada muda que levava à miséria de campos onde só há dois lugares-cor: o céu azul-eterno e o chão vermelho-sacrifício. Já estava cansado daquelas camas moles que enfraquecem o caráter do sujeito e daqueles confortos que — por motivo estranho aos que sofreram dissabores na vida — deixam as pessoas mais ambiciosas de si mesmas. De tudo entendem e nada lhes assombra. Isso não pode ser certo. Um homem tem que estrangular suas palavras ante a violência daquilo que não entende. Pensava essas palavras quando avistou sua casa antiga, onde agora morava apenas o silêncio. As paredes carcomidas pendiam para o cajueiro. Francisco desdobrou a rede, pendurou num galho e deitou-se, sentindo nos pulmões pontadas dos galhos daquela planta estranha que agora tinha nome: saudade. E todo mundo sabe que saudade é feito menino: quando você leva pra casa, ela deixa de aperrear.

4 comentários:

Catarina de Queiroz disse...

Bom texto. O peso das palavras pode ser demais para algumas pessoas. Bj

Tempo Temporã disse...

Que lindo, Heber. Sensibilidade, hein?! Já podei muitas árvores e adubei outras dentro de mim. E é assim sempre, sempre, sempre. Mas quando ao saudade deixa de aperrear já não é mais saudade ou não é?

ConsuL

Andrea disse...

Que lindo texto!
P-R-E-T-É-R-I-T-A!
A tua definição de saudade e a de Rosa são as melhores que eu já li.
=)

Alisson da Hora disse...

Muito legal!A atmosfera, as palavras, as cenas, tudo bem calculado... Linquei!