domingo, 14 de junho de 2009

Um Amor de Usar

Finalmente, nossos corações destroçados fazem troça do mundo no balanço briseiro de uma nuvem que, presa por dois ganchos às paredes, nos acolhe. Dormimos, e nosso sono é um filme mudo, cuja trilha sonora é somente o som estático da chuva em redor. Quando despertos, todos os matizes da vida resumem-se aos riscos irregularmente simétricos das íris rebrilhando no encontro de nossos olhos, sobreviventes de todas as inundações de lágrimas de uma luta inteira. Não é mais certo nem mais errado. Somos apenas nós despidos dos pesados casacos políticos e capuzes religiosos que usamos para enfrentar um inverno diário de atritos sociais. É o fim do amor emoldurado, ostentado na sala, que ninguém pode pegar, do amor morto tristão-isoldino. É um amor de levar pra casa — amor de usar. É a malha metálica que metemos por cima nossos medos. Um respeito que dispensa pronome de tratamento. Alegria que não precisa de carnaval. Cumplicidade sem crime. Um amor de usar contra as intempéries do tempo que castiga com esquecimento torrencial. Há quem é solitário pra depois dizer que chegou ao fim sozinho. Há quem se cobre com um amor e não precisa ir a lugar nenhum.

6 comentários:

Unknown disse...

Sem comentários. O texto já se completa plenamente.

ConsuL

Andrea disse...

Você se supera a cada conto, a cada palavra, a cada imagem. Por isso, eu o levo sempre.

Malthus disse...

Grande monstro. Bicho, alegria sem Carnaval, como tu disse no texto, me lembrou momentos muito massa ao lado de Cat (o cara fazendo a limpeza hauhauahu). Massa, velho, texto da porra. abraço

Catarina de Queiroz disse...

Pode crer... (e o silêncio de quem não sabe o que dizer mas gostou e queria mostrar que leu o texto do cara). Beijos!

Anônimo disse...

Heber, belo e forte texto, denso como costumam ser suas criações.
Abraço do admirador,
Paulo Gustavo

Liliane disse...

Pôxa, pensei pra caramba num adjetivo, mas adjetivos são rasos, nenhum me veio que parecesse suficiente. Adorei, Heber. Amor deve(ria) ser sempre de usar. E vc é de fato tradutor, em cada vez mais acepções da palavra. Beijo.