quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Desamor

Do alto da tua torre de cal e giz, um sólido apartamento de três quartos, observo os carros quilômetros abaixo: glóbulos brancos e cinzas que pulsam no corpo da cidade morta. Aqui o conto-de-fadas desencantou. Meu pesadelo… caindo, caindo, da tua janela, e tu não jogas tuas tranças nem me acordas com teu beijo. Um vento frio me leva para o inferno lambendo lascivamente meus cabelos e regelando meu hálito, antes cálido de teu sopro. Foi tu quem me empurraste, eu sei. Liberto das tuas masmorras, eu morro. Súbito, sou só eu e um nada que nunca termina de cair sobre mim. Vejo teus braços estendidos, cristalizados numa pose que pode ser um querer alcançar e um querer largar. Ambígua, como tu fostes todavida. Essa fotografia de tua alma não tem aura, nem brilho estranho. Apenas um negrume preto-e-branco que sai dos meus olhos desiludidos. Enquanto caio, observo os que voam, sustentados em asas invisíveis, plumadas de sonhos macios. Lanço-lhes uma maldição, desgraçados. Se ao menos eu parasse de cair, se uma corda me laçasse — nem que pelo pescoço —, eu deixaria de sentir. Mas nada muda, teu sapato nunca foi de cristal. Era apenas um vidro sujo que embaçou meus medos e embalou minhas paixões mais insensatas, como sempre serão as paixões. Enfim, tua voz me chama e me diz: “Melhor você ir embora agora”. Portas descem e elevadores se abrem lentamente. Antes a morte súdita, súdita da minha vontade. Mas não. É só isso. Nada de drama. As luzes não se apagam, e a cortina não desce. Sou só eu, nu, num palco frio, humilhado, exposto à pena e ao desprezo do meu único público: teu desamor.

6 comentários:

Catastrótico disse...

Achei esse um dos melhores... tanto que vou poupar dos meus comentarios viajantes e apenas admirar.. rsrsrs

Andrea disse...

Meu amor, que lindo. Que imagem linda tb. Já está esgotando meu repertório de elogios. Vou começar a procurar no dicionário palavrinhas novas.Cada vez mais sou tua fã. Amo!

Malthus disse...

Grande Zeberu-San. Cara, sempre que venho aqui me deparo com textos mais-que-legais. E esse tá muito massa. A imagem do desamor observando os últimos momentos de uma peça me deixou desarmado. abraço, meu velho

Juliana disse...

Heber tas se superando, nao sei mais o que dizer... mto bom! bjos

Juliana disse...

Ah! e gostei da foto, combina com o texto!

Liliane disse...

Vou abrir mão de dizer qualquer palavra pra não atingir com vento a imagem de uma queda tão equilibrada e bem descrita... Beijo.