quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Terra Arrasada

3 da manhã. O relógio era só o marca-passo da minha insônia, e eu enfartava a cada tique. Queria que ela voltasse. Há um ano estava longe — e se afastava cada vez mais. A distância que nos separava era ligada apenas por uma ponte de olhares cruzados na mesa do jantar, balançando insegura sobre um abismo de silêncio. A saudade de quando eu e ela éramos nós pesava sob meu travesseiro como uma arma carregada de uma esperança de chumbo. Restava dar um tiro no escuro. Mas eu apenas olhava fixamente o teto, projetando cenas em preto-e-branco do filme cego da felicidade, memórias que se esqueciam de mim a cada dia, indo embora sem se despedir. Era assim que passava o trem das noites em direção ao túnel que não tinha fim — muito menos luz. Isso não podia continuar. Olhei. Uma indiferença bela e imóvel dormia ao meu lado. Num último impulso, minha mão minha fez uma jornada para o velho oeste de nossa cama, passou pela fronteira e tocou algo frio. “Que foi?”. “Nada”, eu disse. De costas, seu corpo era alheio, estranho, uma lápide sem palavras que marcava nossa vala comum. Enterrado até o pescoço, olhei conformado a esperança ir embora pela porta que o amor deixara aberta. Na janela, o sol nascia pela última vez sobre essa terra arrasada pela praga do tempo. Restou só um deserto — e dois estrangeiros numa terra de ninguém.

6 comentários:

Malthus disse...

Inspirado no som do Iron, "Stranger in a strange land"? Muito bom, cara. abraço

Catarina de Queiroz disse...

Gostei também. Bjs

Unknown disse...

A frieza das noites nos dias mais quentes de uma vida a dois. Em que se dorme mesmo com uma arma dentro de si.

bj

Liliane disse...

Uma porta aberta tem sempre mão dupla e quando é o amor quem abre, não se espera que tranque... Muito bonito o texto. sangra como se vc furasse um dedo e a gota a sair fosse lágrima. Beijo.

Anônimo disse...

Gostei do texto... me lembrou "Inundação", conto de Mia Couto. Vc vai gostar, ele fala tb do tempo e do amor.
xero.

Tayana disse...

Foi mal aí, mas o anônimo era eu.