domingo, 27 de janeiro de 2008

Shadowboxing

No boxe, um dos primeiros treinos é o shadowboxing, ou simplesmente sombra, que é basicamente lutar com a sua própria sombra. Acho pretensão e até desrespeito filosofar do boxe uma metáfora da vida, mas esse é (física e metaforicamente) um grande teste: enfrentar um adversário tão (pouco) ágil e tão (pouco) astuto quanto você. Acima de tudo — vez que o boxe consiste em enganar o adversário, isto é, fazê-lo pensar errado e atingi-lo com um golpe imprevisível para ele —, enfrentar a sombra é algo infinito, pois é um rival ciente de todos os seus pensamentos, a quem, portanto, você jamais poderá enganar. Às vezes, fico com a sensação de que estou fazendo isso o tempo todo: reagindo a cada pensamento e sentimento meu, numa sincronicidade eterna e vazia de propósito. No fundo, talvez o objetivo seja estar preparado enfrentar os outros (o que é ridículo por si só). Isso me faz pensar que a única forma de atingir minha sombra é acreditar de forma tão convincente em alguma coisa que eu mesmo não saberia dizer se é verdade ou não depois de dois ou três copos de vinho — que é um lugar fronteiriço entre os reinos de Tenho Certeza e Já Não Posso Julgar; um lugar quando a verdade começa a se diluir em relatividade, deixando um gosto esquisito na boca.

No entanto, a despeito de qualquer treino, no shadowboxing não há como sair ileso: a única forma de acertar um golpe é expondo uma fraqueza.

[Foto: http://www.pbase.com/arn/snickers]

You made me a shadowboxer, baby
I want to be ready for what you do
I've been swinging around me
'Cause I don't know when you're gonna make your move

[Shadowboxer, do disco Tidal (1996), de Fiona Apple]

2 comentários:

Malthus de Queiroz disse...

Muito massa esse texto, velho. E a foto também. Penso que lutar com a sombra é ensaiar um discurso no espelho, ou treinar a abordagem com aquela gatinha. Quem disse que a vida é um teatro sem ensaios (Chaplin, eu acho), a despeito de sua genialidade, talvez nunca tenha lutado contra a própria sombra.

Anônimo disse...

Malthus, Heber... eita q agora bateu saudade do "povo de letras" hahaha

Adorei o texto Heber! A sombra, o espelho, o duplo, o ser e não ser... mto legal :)

O gatinho é mto fofinho tb (tu adora um gato, né? rss)e a fto tá linda!

Bjooo

:****